Monday, May 02, 2005

Adeus

Não queria falar sobre isto. Não queria sentir tudo de novo. Queria que este fogo se apagasse para que pudesse pegar nas cinzas e observar aquilo que restou de nós.
Ainda está tudo muito fresco. Ainda mora em mim aquele sentimento que se apossou da minha alma e matou uma parte do meu ser. Talvez matar seja uma palavra muito forte. Talvez nada esteja morto dentro de mim. Apenas adormecido. Desmaiado. Não sei. Talvez. Nesta vida as certezas desvanecem-se a cada novo passo que damos na estrada da nossa história. Eu já não tenho certezas de nada. Pelo menos nada que diga respeito a nós. Todas as certezas que construí ao longo deste tempo foram estilhaçadas por ti em milhares de pequenas incertezas, inseguranças, que me fazem sentir que não te conheço. E pior que tudo, que nunca te conheci.
Talvez tenha pedido demais. Talvez tenha esperado demais. Tu nunca me prometeste nada. Pelo menos foi isso que sempre disseste. Mas a verdade é que prometeste. Mesmo sem dares por isso.E não cumpriste. Nada daquilo que me disseste adquiriu uma vida e uma verdade.
As palavras trazem agarradas a si conteúdos, formas, esperanças e desilusões. Mas palavras não são meros instantâneos que apenas existem durante o tempo em que são proferidas. As palavras têm o dom de mudar o futuro, mesmo que seja uma mudança pessoal e interior. Foi isso que aconteceu. Todas as palavras que trocámos e todos os nossos gestos foram mudando o rumo que a nossa relação teve ao longo do tempo.
Fizemos o que fizemos e dissemos o que dissemos não só porque o sentimos no momento mas também porque sabíamos que isso não era algo de vazio, era antes algo de frutífero, algo que solidificaria com o passar dos dias e dos meses.
Estou aqui a falar pelos dois mas a verdade é que só devia estar a falar por mim. Eu fiz o que fiz, disse o que disse, pelos motivos que mencionei. Por ti não posso falar. Já não quero fazer isso.
Durante muito tempo tentei falar por ti, sobretudo naqueles momentos em que o silêncio se tornara o principal tema de conversa entre nós. Durante muito tempo tentei dar uma voz às minhas questões, às minhas incertezas. Na tua boca procurei colocar as respostas, as motivações, para a tua distância, para a tua frieza, para tudo aquilo que a tua boca não transmitia mas que o teu corpo gritava.
Todas essas explicações faziam todo o sentido para mim e eu continuava, impávido e pouco sereno, sempre à espera de não ter de falar mais por ti. Mas agora chega.
Estou farto. Desisto. Atingi o meu limite. Apercebi-me que tenho falado por ti este tempo porque tu não tens nada para me dizer. Já não posso procurar-te mais porque sinto que já não queres ser encontrada por mim. E mais: percebo agora que, em vez de seres encontrada, cada vez procuras afastar-te mais de mim. Estás tão longe que a única coisa que consigo vislumbrar é uma ténue silhueta, a silhueta de alguém que se tornou desconhecido para mim.
Estou triste. Estou triste porque perdi uma amiga. Estou triste porque já nem me lembro como essa amizade surgiu. Estou triste porque não sei se foste tu quem me ofereceu essa amizade ou se fui eu que projectei um amigo em ti. Estou triste porque depois deste tempo todo vislumbro um fim. E não gosto de vislumbrar o fim das coisas. Sobretudo aquelas que durante tanto tempo nos satisfizeram e alimentaram o nosso corpo interior.

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